IV.
ADVERTÊNCIAS CONTRA
RELIGIOSIDADE DA CARNE E INSTRUÇÕES EM PIEDADE
(Capítulo IV)
Tendo nos instruído sobre a
ordem na Casa de Deus e o segredo do correto comportamento da parte daqueles
que formam a Casa, o Apóstolo, no restante da Epístola, adverte-nos contra
certas atividades carnais que são destrutivas ao correto comportamento e nos
instrui quanto à verdadeira piedade que sozinha guardará o fiel desses
diferentes males.
No capítulo 4 o Apóstolo
adverte mais especialmente contra a apostasia e manifestação religiosa da carne
em si no falso princípio do asceticismo (moral filosófica ou religiosa, baseada
no desprezo do corpo e das sensações corporais, e que tende a assegurar, pelos
sofrimentos físicos, o triunfo do espírito sobre os instintos e as paixões
N.T.). No capítulo 5 somos advertidos contra a carne mundana mostrando-se em
lascívia e autogratificação. No capítulo 6 somos advertidos contra a carne
cobiçosa com seu amor pelo dinheiro.
A proteção contra esses
males é encontrada na “piedade”. A verdade da piedade tem um lugar proeminente
na Primeira Epístola a Timóteo. A palavra é usada dezesseis vezes no Novo
Testamento, em nove dessas ocasiões são encontradas nesta Epístola (2:2; 3:16;
4:7-8; 5:4; 6:3,5,6,11). Piedade é a confiança no conhecido e vivo Deus que
conduz o crente a andar em santo temor de Deus no meio de todas as circunstâncias
da vida. Ela reconhece e honra a Deus, e é, portanto, a oposição da falsa
santidade ou hipocrisia que busca exaltar a si mesmo.
No capítulo 4 o Apóstolo
primeiro adverte contra a apostasia de alguns que deixaram o Cristianismo por
religião da carne (vs 1-5); então ele coloca diante de nós a vida de piedade
como aquela que guardará a alma dos males da carne (vs. 6-10), finalmente o Apóstolo dá exortações pessoais
a Timóteo, contendo instruções e orientação para todos os servos do Senhor (vs.
11-16).
(a) Advertências contra
carne religiosa ou asceticismo (vs. 1-5)
O Apóstolo encerrou a parte
anterior da Epístola com uma maravilhosa revelação sobre “a fé” mostrando a
grande verdade do Cristianismo como sendo a manifestação de Deus em Cristo.
Agora o Espírito expressamente adverte que, nos últimos tempos da profissão
Cristã, alguns deixariam ou apostatariam da fé. Mais tarde, o Apóstolo nos
avisa que alguns, por suas práticas, negariam a fé (v.8); alguns pela cobiça se
desviariam da fé (6:10); e alguns, por especulação, perderiam a fé (6:21).
(vs.1,2) Aqui ele fala de
apostatar da fé. Claramente, o Apóstolo não está falando da grande apostasia
predita na Segunda Epístola aos Tessalonicenses, a qual se refere à apostasia
da Cristandade como um todo depois do arrebatamento da Igreja. Nesta passagem o
Apóstolo diz “alguns apostatarão”, evidentemente referindo-se a apostasia de
indivíduos acontecendo nos últimos dias antes da vinda do Senhor.
Enquanto a Assembleia de
Deus ainda está na terra, se levantarão aqueles que fizeram a profissão do
Cristianismo, mas desistiram das grandes verdades principais da fé Cristã a
respeito da Pessoa de Cristo.
(V.3) Por trás dessa
apostasia há a direta influência de espíritos de sedutores conduzindo a
doutrinas de demônios em contraste com a verdade. O apóstata não é simplesmente
um que negligencia a verdade, nem um que rejeita a verdade. Ele é um que tendo
feito a profissão da fé, deliberadamente desiste da verdade e toma algum outro
credo religioso como sendo superior ao Cristianismo. Os demônios falam mentiras
enquanto professam manter a verdade. O diabo, sabemos “é um mentiroso” (Jo.
8:44) e enganou nossos primeiros pais falando mentiras em hipocrisia. O fato de
que a verdade não tem poder sobre suas almas e que dão atenção a doutrinas de
demônios prova claramente que as suas consciências estão tão cauterizadas que
eles já não são capazes de distinguirem entre o bem e o mal. Apostasia então
envolve não somente desistir da verdade, mas também adotar o erro – as
doutrinas dos demônios.
No lugar da verdade o
apóstata aparenta uma religião da carne que professa ser da mais alta
santidade. Eles fazem suposição de extraordinária pureza proibindo o casamento,
e grande negação própria pela abstinência (do consumo) de carnes. Na realidade,
tendo deixado a fé, eles negam Deus como nosso Salvador e, rejeitando casamento
e carne, eles negam Deus como o Criador. Isto significa a perda de toda a
verdadeira piedade que teme a Deus, e como resultado abre a porta para um abuso
da liberdade e libertinagem. Esses espíritos sedutores, servindo de instrumento
para o orgulho da carne, mantém diante dos homens a promessa da maior das
santidades a fim de levá-los a uma profunda corrupção.
(v.4) A verdadeira piedade
se aproveita de cada misericórdia que Deus coloca ao nosso alcance. As bênçãos
do casamento e da carne (alimento), que são rejeitadas por aqueles que se
apartam da fé, devem ser recebidas com gratidão por aqueles que creem e
conhecem a verdade.
(v.5) O mundo e seus
caminhos não são aprovados pela palavra de Deus para o crente; mas essas
misericórdias naturais, que estão disponíveis para todo o mundo, são colocadas
à parte para nosso conforto enquanto passamos pelo mundo. No entanto, a sua
utilização é guardada para o crente, pela palavra de Deus e oração. A palavra
de Deus regula seu uso e pela oração o crente as toma na dependência de Deus.
(b) Piedade ou confiança no
Deus vivo (vs. 6-10).
(v.6) O apóstolo colocou
diante de nós certos perigos contra os quais o Espírito expressamente nos adverte.
Timóteo tinha de fazer lembrar essas coisas aos irmãos e assim o fazendo,
provaria ele mesmo ser um bom servo de Jesus Cristo nutrido nas palavras da fé
e da boa doutrina com a qual ele estava totalmente familiarizado. Os espíritos
sedutores, dos quais o Espírito Santo fala, buscaram exaltar o homem com um
sentimento de importância religiosa e santidade. O verdadeiro servo busca
exaltar Cristo em ministrar a verdade.
Para ser um bom servo de
Jesus Cristo, não é suficiente conhecer a verdade e guardar a verdade; nós
precisamos ser nutridos pela verdade, e, na prática, seguir completamente a
verdade. Nossas próprias almas devem estar alimentadas se temos de alimentar
outros. Nós temos de ser nutridos, não simplesmente nas palavras de mestres,
apesar de verdadeiras, mas “com as palavras da fé” que transmitem a nós “o bom
ensino” do Cristianismo e, se seguida, produzirá um efeito prático em nossas
vidas, guardando-nos dos males dos últimos tempos.
(v.7) Tendo nos exortado a
seguir a verdade, o apóstolo nos adverte a recusar tudo aquilo que estiver fora
das “palavras de fé”. As imaginações dos homens sempre vão tender para a
profanação e loucura, as quais o Apóstolo caracteriza com desprezo como
“fábulas profanas e de velhas”. Nosso grande “exercício” deveria ser o de
sermos encontrados andando em piedade. Nós podemos colocar o serviço antes, mas
há sempre o sério perigo de se estar ativo no serviço enquanto negligenciamos a
piedade pessoal. O bom servo vai exercitar-se na piedade para que possa estar
“santificado e idôneo para uso do Senhor, e preparado para toda a boa obra.” (2
Tm. 2:21). Podemos às vezes, como os Santos de Corinto, ser muito ativos nos
serviços e vangloriar-nos de nossos dons, e como eles, sermos muito não
espirituais por não nos exercitamos na piedade.
(V.8) Para enfatizar a
importância do exercício espiritual quanto à piedade, o Apóstolo o contrasta
com o “exercício corporal”. A alusão é provavelmente aos jogos públicos, como
em 1 Coríntios 9:24-25, onde falando de
corridas públicas ele diz “E todo aquele que luta de tudo se abstém”. Ele
continua a nos advertir nessa passagem, dizendo que o exercício em temperança
tem somente uma vantagem passageira; na melhor das hipóteses apenas para obter
uma “coroa corruptível”, em contraste com a “incorruptível” a qual o Cristão
tem em vista. Então, aqui ele diz que este exercício corporal é proveitoso
apenas em algumas coisas pequenas; mas o exercício espiritual da piedade é
proveitoso para todas as coisas, sendo rico em bênçãos nesta vida como naquela que está por vir.
(V.9,10) O Apóstolo reforça
a importância do exercício da piedade declarando “Esta palavra é fiel e digna
de toda a aceitação”. É por causa de sua piedade que o apóstolo pode dizer
“Porque para isso trabalhamos e somos injuriados”. Podemos estar preparados
para trabalhar e sermos proeminente perante os homens, e assim trabalhar e
receber aplausos ou trabalhar e exaltar-se a si mesmo. Mas se a piedade estiver
por trás do nosso trabalho, isso inevitavelmente vai significar trabalho e repreensão.
O Apóstolo continua a
mostrar que a fonte da piedade é a confiança em Deus. Nós confiamos no Deus
vivo que é o preservador de todos os homens, especialmente daqueles que creem.
Piedade é aquela confiança individual em Deus que ocupa todas as circunstâncias
da vida em relação a Deus. O homem não regenerado deixa Deus fora da sua vida;
o crente reconhece Deus em todos os detalhes da vida e agradecido recebe e usa
toda benção que Deus coloca ao seu alcance, sem abusar dessas bênçãos. Assim,
piedade é o antídoto a todas as más influências dos últimos dias, quer seja o
mal que tome a forma de asceticismo, celibato, abstinência de carne (alimento)
(4:3), negligenciando suas próprias casas e vivendo em prazeres (5:4-6) ou
atribuindo importância às vantagens do mundo e do dinheiro (6:3-10).
(c) Preceitos pessoais para
o servo do Senhor (vs. 11-16)
(Vs.11,12) Essas coisas
Timóteo tinha de ordenar e ensinar. Sendo um homem jovem, ele devia
especialmente estar atento contra qualquer presunção ou orgulho da juventude
que pudesse macular seu testemunho, levando-o a ser desprezado por causa de sua
juventude. Se as suas exortações e instruções aos outros tinham de ter efeito,
ele teria de, em sua vida, ser “um modelo dos crentes” – “em palavra, em
conduta, em amor, em fé, em pureza”. Ai de nós!
Quão frequentemente maculamos nosso testemunho por falharmos em exibir
essas belas qualidades de Cristo. Se as verdades que ensinamos não afetam
nossas próprias vidas, podemos esperar que nosso ensino afetasse outros?
(V.13) Sua própria vida
sendo pura, o servo estaria livre para procurar ajudar os outros, pela leitura,
exortação e ensino. A conexão da leitura com exortação parece mostrar que a
leitura não tem referência ao seu estudo pessoal, mas sim à leitura pública das
escrituras, a qual naqueles dias tinha um lugar de especial importância.
(v.14) Além disso, no caso
de Timóteo, o dom de ministério foi transmitido a ele, e para o qual ele fora
especialmente marcado por uma palavra profética de Deus, e com a qual os
anciãos expressaram sua comunhão pela imposição de mãos. Tal profecia e
imposição de mãos foram completamente estabelecidas no caso de Barnabé e Saulo
(Atos 13:2,3). Apesar de correta e bela a vida Cristã, ela não habilitaria o
servo a tomar um lugar definitivo de mestre. Para isso, um dom de Deus era
necessário. No caso de Timóteo ele podia ir adiante em confiança porque seu dom
havia sido transmitido por uma palavra diretamente de Deus, e poderia ser
exercido na consciência de que ele tinha a completa comunhão dos anciãos do
povo do Senhor. O dom foi dado pela profecia e pela imposição de mãos de Paulo
(2 Tm.1:6). Não foi dado pela imposição de mãos dos anciãos: eles impuseram as
mãos em Timóteo expressando a sua comunhão com ele. Então encorajado, ele tinha
de tomar o cuidado de não negligenciar o dom por qualquer timidez natural.
(v.15) Assim fortalecido e
encorajado, Timóteo tinha de devotar-se às coisas do Senhor, como diz o
Apóstolo. “Ocupe-se com essas coisas” (N. Tn). Frequentemente nos permitimos
estar distraídos por outros objetivos que não os do Senhor e Seus interesses!
Bom para nós abraçarmos com todo o coração o Cristianismo e fazermos das coisas
do Senhor o nosso interesse – para “estar completamente neles” (N. Tn.). Assim,
de fato nosso progresso espiritual será manifestado a todos.
(v. 16) O apóstolo resume
sua exortação a Timóteo dizendo “Tem cuidado de ti mesmo e da doutrina”. Forçar
a doutrina enquanto descuidado de nosso próprio caminhar, ou fazer muito da
piedade pessoal enquanto afirmando que isso é de pequena importância o que
temos, são duas armadilhas nas quais muitos tem caído. Ambas são fatais para
todo verdadeiro testemunho. É somente quando tomamos consciência de nós mesmos
e da doutrina que poderemos salvar a ambos, a nós e aqueles que nos ouvem, dos
males dos últimos tempos.
Por Hamilton Smith
Tradução:
Rosimeri F. Martins (Curitiba), revisão Batista (Limeira).
Texto
original: http://www.stempublishing.com/authors/smith/1TIMOTHY.html